terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A promessa

MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980 [1959]. p. 9-12

Objetivo: Compreender o conceito de imaginação sociológica.

A promessa

Hoje em dia, os homens sentem, frequentemente,
suas vidas privadas como uma série de armadilhas. Percebem
que, dentro dos mundos cotidianos, não podem superar
as suas preocupações, e quase sempre têm razão
nesse sentimento: tudo aquilo de que os homens comuns
têm consciência direta e tudo o que tentam fazer está limitado
pelas órbitas privadas em que vivem. Sua visão,
sua capacidade estão limitadas pelo cenário próximo: o
emprego, a família, os vizinhos; em outros ambientes,
movimentam-se como estranhos, e permanecem espectadores.
[...]
Subjacentes a essa sensação de estar encurralados
estão mudanças aparentemente impessoais na estrutura
mesma de sociedades e que se estendem por continentes
inteiros. As realidades da história contemporânea constituem
também realidades para êxito e fracasso de homens
e mulheres individualmente. Quando uma sociedade
se industrializa, o camponês se transforma em
trabalhador; o senhor feudal desaparece, ou passa a ser
homem de negócios. Quando as classes ascendem ou
caem, o homem tem emprego ou fica desempregado;
quando a taxa de investimento se eleva ou desce, o homem
se entusiasma, ou se desanima. Quando há guerras,
o corretor de seguros se transforma no lançador de foguetes,
o caixeiro da loja, em homem do radar; a mulher
vive só, a criança cresce sem pai. A vida do indivíduo e a
história da sociedade não podem ser compreendidas
sem compreendermos essas alternativas.
E, apesar disso, os homens não definem, habitualmente,
suas ansiedades em termos de transformação histórica
[...]. O bem-estar que desfrutam, não o atribuem habitualmente
aos grandes altos e baixos da sociedade em que
vivem. Raramente têm consciência da complexa ligação
entre suas vidas e o curso da história mundial [...]. Não dispõem
da qualidade intelectual básica para sentir o jogo que
se processa entre os homens e a sociedade, a biografia e a
história, o eu e o mundo. Não podem enfrentar suas preocupações
pessoais de modo a controlar sempre as transformações
estruturais que habitualmente estão atrás deles. [...]
A própria evolução da história ultrapassa, hoje, a capacidade
que têm os homens de se orientarem de acordo
com valores que amam. E quais são esses valores? [...] as
velhas maneiras de pensar e sentir entraram em colapso.
[...] Que – em defesa do eu – se tornem moralmente insensíveis,
tentando permanecer como seres totalmente particulares?
[...]
Não é apenas de informação que precisam. [...]
O que precisam [...] é uma qualidade do espírito que
lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a
fim de perceber com lucidez o que está ocorrendo no
mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles
mesmos. É essa qualidade, afirmo, que jornalistas e professores,
artistas e públicos, cientistas e editores estão
começando a esperar daquilo que poderemos chamar de
imaginação sociológica. [...]
O primeiro fruto dessa imaginação – e a primeira
lição da ciência social que a incorpora – é a ideia de que
o indivíduo só pode compreender a sua própria experiência
e avaliar seu próprio destino localizando-se dentro de
seu próprio período; só pode conhecer suas possibilidades
na vida tornando-se cônscio das possibilidades de
todas as pessoas, nas mesmas circunstâncias em que ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário